“Tudo teve início quando o Verbo ordenou ao seu vigário em Petrópolis: ‘Vai, Frei Memória, e alça a minha Cruz na Catedral’. O bom frade, com a obediência dos eleitos, a inocência do seu Pai, Francisco, e a jovial mobilidade dos gordos, pôs-se em campo. O campo era o jardim da casa vizinha, onde outro Francisco*, atento às intimações do alto, transmitiu-as a Evandro, Pigmalião disposto, inspirado e apoiado pela disponível generosidade de Linneo**.
Inspirado, porém, na ‘calma, luxo e voluptuosidade’ de Matisse, na ‘luz mediterrânea” de Raul de Leoni, no equilíbrio, na tranquilidade, na ordem clássica de Fídias e Goethe traduzidos para a modernidade de Brancusi e Bruno Giorgi. O meu velho, caro e saudoso amigo Deoclécio Redig de Campos, director-geral dos Museus Vaticanos, referia-se ao ‘realismo ideal’ para definir tal ‘aspiração grega à justa medida, à perfeicão e à beleza.”
Mas era preciso batizar – isto é, resolver, convulsionar, subverter – a serenidade de Evandro a fim de torná-la merecedora de subir os degraus do altar. O seu novo modelo não viera para trazer-nos a paz. E o bronze helênico fez-se carne na bela ‘Maternidade’ no grupo eterno transfigurado até à divindade e à santidade em Jesus e em Maria. O menino cresceu, tornou-se homem. Alterou-se a escultura evândrica. Estavam, autor e obra, maduros para a Paixão. Frei Memória os abençoa a ambos, e o Crucificado de Evandro vela sobre os fiéis de sempre e de passagem, as crianças que vêm a batizar-se, os jovens noivos, as famílias, os imperadores adormecidos e esta memorável Petrópolis dos meus amores, dos amores de meus pais, dos meus avós, jóia florida de um Brasil passado mas sempre ancorado na esperança forte, no advento da ressurreição.”
* Francisco de Mello Franco
** Linneo de Paula Machado.”